PenetrArte

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

NOVOS PROJECTOS - em breve - "CORPO DE FEDRA E HIPOLITO"

  • Especificidades da ópera (Bilhete de Identidade)
  • Título do projecto: ópera concertante: “O Corpo de Fedra e Hipólito - Work in progress”
  • Título do libreto: O corpo de Fedra e Hipólito - Poema dramático bélico-libido-trágico em XV momentos
  • Título da ópera concertante: Os Diálogos d’ O Corpo de Fedra e Hipólito
  • Língua do libreto: portuguesa, francesa e inglesa
  • Número máximo de personagens em palco: 4
  • Nome das personagens: Hipólito; Fedra; Teseu; Arícia
  • Género literário: poema dramático/libreto
  • Data de criação do libreto: Janeiro de 2006/Novembro 2007
  • Data de criação da composição: Dezembro de 2006/Junho de 2008
  • Género musical: ópera/teatro musical
  • Efectivo instrumental: Piano, percussão, meios electroacústicos e instrumentação sintética, Vozes (x4 cantadas/ x4 faladas)
  • Tempo estimado de representação: 1h45 a 2h00

  • Objectivos artísticos do projecto:
  • Congregar várias artes e ofícios com vista à apresentação da ópera concertante na sua versão final full score
  • Sedimentar a ópera concertante e transformá-la num autêntico laboratório para amadurecer o projecto a longo prazo sobre a ópera de câmara, com recursos instrumentais e vocais mais vastos e uma componente teatral mais explorada.
  • Analisar, estudar, testar a uma escala menor a conjugação das várias artes do complexo operático
  • Criar uma ponte com o Brasil, com o objectivo de fazer algumas récitas nos Estados de Pernambuco e de São Paulo; desse modo, internacionalizaremos o projecto.
  • Constituir este projecto como uma espécie de montra para o projecto de ópera de câmara.

Objectivos profissionais:

  • Sedimentar conhecimentos do grupo de trabalho na área operática
  • Dar uma continuidade à equipa para a realização do projecto de ópera de câmara, e pensar igualmente na concretização de próximos projectos operáticos, para 2012.

  • Sobre a música

O projecto O Corpo de Fedra e Hipólito - work in progress pretende ser um laboratório experimental de uma ópera, um local para o desenvolvimento de ideias, para a exploração técnica da composição operática sobre um texto em língua portuguesa.

Sendo um laboratório experimental com vista ao desenvolvimento de um projecto de maiores dimensões, reduziu-se o efectivo instrumental ao mínimo, sendo simultaneamente uma concepção quasi-portátil da interpretação e um cadinho de experimentação sobre texturas, estruturas e soluções melódicas e harmónicas sobre a colocação em música de um texto de elevado grau de complexidade aos níveis semântico, estrutural e interpretativo. Contudo, a música não é apenas uma musicalização do texto, mas uma interpretação fixada, criada com o objectivo de (re)criar sentidos da interpretação.

A redução ao mínimo dos efectivos instrumentais contribui para a relativa portabilidade do projecto, sendo simultaneamente um estímulo para o desenvolvimento técnico sobre o efectivo sobre o qual se debruça: o piano, pequenos instrumentos de percussão, as vozes, os meios electroacústicos e a instrumentação sintética.

A escolha deste efectivo prende-se igualmente com razões simbólicas emanadas do texto. As vozes escolhidas são duas vozes masculinas e duas femininas, respectivamente um Baixo, um tenor e um Contralto ou Mezzo-soprano e um soprano. Teseu, o Rei, marido de Fedra, o herói trágico (em que os materiais melódicos são baseados sobre o intervalo de 4ª justa) será um Baixo, dada a concepção arquetipal da velhice solene, heróica; Hipólito, o Príncipe (com a primazia dos materiais melódicos gerados com particular incidência do intervalo de 5ª justa) será um Tenor, uma voz mais aguda, mais possante e mais jovem que se coaduna com o carácter da personagem; Fedra, a Rainha e madrasta do Príncipe (criada com particular predominância do intervalo de trítono) será um Mezzo-soprano ou um contralto, uma voz feminina mais grave, mais madura, mais de acordo com o carácter de Fedra enquanto esposa, madrasta e Rainha; Arícia, a noiva do Príncipe (com predominância harmónica da oitava) será um soprano, uma voz feminina mais aguda, mais jovem e de acordo com o carácter do personagem.

As vozes cantadas são dobradas por outras vozes, estas faladas pela boca de actores. Assim conseguem-se, com a música, vários níveis de tratamento do texto desde o simples texto falado até ao vocalizo sem texto. Assim existe uma variação do tratamento do texto, afastando-o e aproximando-o de um nível mais realista.

A mistura entre vozes cantadas e vozes faladas não só serve o propósito de exploração dos diferentes níveis de tratamento do texto, mas também a interacção entre os dois níveis essenciais de realismo e de movimentação da acção dramática em diversos planos mais ou menos profundos de afastamento e aproximação das realidades teatral e operática.

O piano não é apenas uma redução do ensemble final. Nesta fase do projecto a composição é destinada a este instrumento, procurando explorar a sua versatilidade como instrumento harmónico, ressonante e de ataque, explorando não só o seu timbre normal, mas também a multiplicidade tímbrica que se consegue através de uma exploração técnica alternativa.

Os pequenos instrumentos de percussão pretendem servir o propósito de enriquecer os timbres vocais e o do piano, modificando ataques e ressonâncias.

O uso de meios electroacústicos e instrumentação sintética não serve apenas os propósitos de adensamento da malha harmónica, mas também o propósito dialógico entre uma realidade (os instrumentos acústicos e as vozes cantadas ou faladas) e a irrealidade das personagens ausentes, dos ambientes, dos acontecimentos. Cria-se a possibilidade dimensional de cruzar no espaço o universo da música mista, da música instrumental pura e da música electroacústica, numa linguagem de vanguarda no seio da música nova.

  • Sobre a dramaturgia

O corpo de Fedra e Hipólito tenta revisitar um mito ancestral, que remonta às origens da Grécia Antiga, sendo o seu conteúdo bem mais remoto - a temática do incesto misturada com as noções de poder sexual e político, e claro, ligado ao tema da culpabilidade da mulher, que surge muitas vezes como o género sexual doente e culpado.

A versão agora apresentada relê o mito de uma maneira livre, com uma interpretação totalmente contrária à do mito clássico, embora a fábula se cruze em momentos específicos, num tom irónico, com a interpretação convencional do mito, assim como com as diversas reescritas que foram feitas através da história da literatura, fundamentando esta heresia sobretudo nas versões de Eurípides, Séneca e Racine.

A peça joga com quatro personagem centrais, Hipólito (o príncipe), Fedra (a rainha e sua madrasta), Teseu (o rei) e Arícia (noiva de Hipólito). Teseu está quase sempre presente, ao contrário das outras versões que o colocam numa posição ausente, ao surgir somente quando a morte do príncipe e da rainha se adivinham. O corpo de Fedra e Hipólito conta uma fábula estática, baseada sobretudo na linguagem, explorando alguns temas que veremos adiante, num pano de fundo pintado com as relações de poder, o conflito geracional, a viagem, a revolução de um povo descontente.

Nesta versão, Hipólito e Fedra têm um caso carnal e sentimental, porém, o jovem Hipólito parece mostrar um certo interesse por Arícia, que diz amar. Aliás, o casamento entre os dois jovens está marcado, a corte e a família real esperam esta união para que o povo em fúria nas ruas que reclama paz e pão, pelas constantes despesas das guerras de Teseu (do médio oriente), se acalme. O plano de Hipólito e Fedra está feito: fugir para África, mas antes  o jovem quer deixar o trono a Arícia (casando), matando o seu pai politicamente. A pergunta que se coloca no texto resume-se ao porquê de certas atitudes ambíguas de Hipólito, divido entre roubar e destruir o pai (o roubo do poder politico e da sua mulher), e o amor por Arícia que o faria emancipar-se e ser independente da sombra do seu pai. Por seu lado, encontramos um Teseu cansado, sincero, arrependido, que procura a paz de um lar que lhe é negada, querendo somente que eles (Fedra e Hipólito) fiquem no palácio até a sua morte.

Hipólito e Fedra ao recusarem-se a ficar, (insistindo com os planos de fuga para África), no momento da partida e após um longo lamento e súplica de Teseu para que ficassem, este mata-os com uma pistola, sem testemunhas. O mito propriamente dito é contado nos últimos versos, como invenção de um rei que quer perpetuar a sua imagem de herói e manter uma última ordem no caos de revolta civil que está a acontecer. Para encontrar uma desculpa válida ao massacre, a fim que esta história (o mito) seja contado ao povo e escrito nos arquivos, como verdade oficial, Teseu irá contar a Terâmenes, fiel serviçal, a sua versão do que aconteceu naquele quarto, narrando a fábula que conhecemos hoje.

Numa linguagem assumidamente brutal, crua, pornográfica, tratam-se vários temas como o da pedofilia (que tem sido um problema tratado socialmente em Portugal nestes últimos dois anos), da corrupção politica, do amor moral vs. pulsão sexual desmedida, onde o principal problema é o do poder e posse. A escrita assume-se - sem rodeios - , mescla-se com momentos de puro lirismo e racionalismo filosófico cujo diálogo curto é substituído, através de autênticos cortes, por longas tiradas.

  • Contextualização do libreto
  • O mito de Fedra surgiu de um interesse por parte do libretista, na sequência de estudos académicos que empreendeu sobre o mito clássico. Assim, para a sua actualização, o autor quis reescrever o mito atendendo aos novos dilemas sociais, e às constantes problemáticas sócio-familiares que mexem em permanência com valores morais, postos em causa com práticas como o incesto, a pedofilia, e as demais questões políticas de poder ligadas aos anteriores problemas. De facto, o libreto aborda problemas actuais, de uma forma crua e violenta, tal como o são os problemas supracitados, numa constante mise en abîme moral, onde a dor corporal é tão invocada como a dor psíquica.

  • Contextualização da composição:

A composição pretende ser uma leitura complementar à leitura que o texto faz do mito de Fedra. No entanto não é apenas complementar. É também um esforço de criação de uma outra linguagem que existe por si mesma, mas com base num texto, como compete à ópera enquanto forma musical.

A linguagem é crua, complexa tanto ao nível estrutural como ao nível da sua envolvência sinestésica. É um esforço de criação de uma linguagem única ao compositor, procurando desenvolver um conjunto de técnicas que se complementarão, fazendo convergir diversos universos composicionais e musicais com vista a criar um todo orgânico.

  • Sobre a encenação

A encenação tem na ópera, quer seja de concerto ou imbuída de uma teatralidade mais desenvolvida, um papel fundamental; é o maestro visual. Apesar da ópera se apresentar como uma ópera concertante, a encenação aplicará esquemas simples e eficazes, bem presentes; assim, os signos serão cuidados e utilizados como se de uma grande ópera visual se tratasse.

Serão utilizados como utensílios cénicos o vídeo que poderá procurar uma mise en abîme barroca de “Teatro dentro do Teatro”, projectando excertos do libretos ditos por actores não presentes, ou excertos de óperas reputadas sobre o mito de Fedra. Os figurinos serão sóbrios e realistas, com o objectivo de os tornar neutros, ou de neutralizar os seus estímulos e efeitos. A encenação entregará uma grande importância ao desenho de luz, fundamental, que formará e delimitará o espaço cénico e todos os jogos de encenação, eliminando quase por completo o aparato cenográfico. As cores serão poucas, e a luz crua de néon assim como a luz negra serão principais meios para caracterizar a pele do palco. A encenação basear-se-á em três linhas composicionais:

    • o mito enquanto coisa literária
    • a música enquanto corpo simbólico
    • o realismo enquanto mito reescrito com palavras e actos contemporâneos

A encenação terá no entanto de optar por uma sobriedade necessária que a música impõe, sendo esta um tecido complexo e visceral, ao qual se deve entregar, naturalmente, todo o seu protagonismo.

A encenação fundará o seu jogo principal na duplicação das personagens em cantor e em actor. Tal como aconteceu recentemente na ópera Das Märchen de Emmanuel Nunes; as personagens terão portanto o seu duplo lírico e dramático, atribuindo assim uma maior liberdade para ambos, e podendo duplicar os sentidos de uma e mesma personagem. Será neste contexto, feito de contraste, que actores que encarnarão Hipólito, Teseu, Fedra e Arícia contracenarão igualmente com os cantores, como se lidassem com o seu duplo, e vice-versa, para que resulte uma compreensão de todo o espaço cénico como uma “coisa” e o seu “duplo”, tornando toda a encenação num universo polimórfico e polissémico numa revisitação subtil do imaginário de Claudel e da sua obra Le Soulier de Satin com a cena l’ombre double, inspiração literária da peça Dialogue de l’ombre double de Pierre Boulez em que se estabelece um diálogo entre a coisa e a sua sombra, o seu “duplo”.


 
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